14 junho 2004

Pravda

No outro dia enviaram-me uma cópia de um artigo publicado no jornal Pravda. O texto estava assinado por um russo que reside em Portugal à 25 anos. Bom, é realmente engraçado saber como vê um cidadão qualquer, mesmo residente em terras tugas, este cantinho tão estúpido que tanto amamos. Como não me apetece estar a escrever seja o que for, sobre este adorável texto, copiei-o e colei-o, mantendo o direito de divulgar a opinião dos outros, em liberdade e respeito pela independência do pensamento de todos os Homens.




PORTUGAL: PESSIMISMO E PEDOFILIA

São dois os principais problemas de Portugal: os poucos pessimistas
profissionais, que passam a vida a contaminar o resto da população, e uma
governação inadequada, ineficiente, ineficaz e fora de contacto com a realidade
no país. Que Portugal e os portugueses têm inegáveis qualidades, não hajam
dúvidas. Não é por nada que Portugal é um país independente e a Catalunha, a
Bretanha, a Escócia e a Bavária o não são. Não é por nada que o português é a
sétima língua mais falada no mundo, à frente do alemão, do francês e do
italiano. No entanto, estas qualidades precisam de ser cultivadas por quem foi
eleito para liderar e dirigir o país. O que acontece é que nem agora, nem por
muito tempo, Portugal tem tido líderes dignos do seu povo, capazes de liderar a
nação, realizar os projectos que foram escolhidos para realizar. O resultado é
uma onda de pessimismo, no meio dum mar de desemprego, desinteresse e
desorientação que serve de combustível para a economia emocional não funcionar,
aquela economia que é tão importante quanto a economia das quotas de oferta e
procura. A consequência é uma retracção não só da economia mas também do psique
da sociedade, com uma introversão patológica a manifestar-se no escrutínio
colectivo do umbigo nacional, ou um pouco mais abaixo. A não-história da
pedofilia, já uma psicose nacional, é um belíssimo exemplo de até onde pode
chegar uma sociedade quando nem é orientada nem estimulada a pensar em
horizontes mais saudáveis.
Há mais que um ano, a imprensa portuguesa regurgita a história do abuso sexual
de meninos do orfanato/escola Casa Pia, apontando nomes sonantes da vida pública
que nem têm lugar aqui, visto que até ser provado ao contrário, uma pessoa numa
sociedade civilizada, é considerado inocente.

Na busca de quem foi ou quem não foi, deu origem ao levantamento na praça
pública duma lista substancial de nomes do mundo artístico, desportivo, e
político, aos mais altos níveis. Não é a causa do pessimismo em Portugal, mas
espelho dele. A noção que "nós não prestamos, somos os coitadinhos da Europa e a
alta sociedade é podre" se ouvia nos finais dos anos 70, desapareceu e com a não
governação do primeiro ministro José Barroso, voltou. Está tangível, quanto mais
para um estrangeiro que ama e estuda este país há 25 anos. Outra manifestação
deste pessimismo é a negatividade ao nível das conversas nos cafés (inaudíveis
nos claustros de cristal onde pairam os governantes do país) acerca dum evento
que a priori é a melhor hipótese que Portugal alguma vez tem tido para se
projectar na comunidade internacional ? o Euro 2004. O Euro 2004 é o ponto
desportivo mais alto na história quase milenar de Portugal. É um dos três mais
vistos eventos televisivos no mundo e é uma excelente oportunidade de enterrar
de vez a falácia que Portugal é uma província espanhola. Mas o que é que
acontece?

Enquanto o resto da Europa se prepara com entusiasmo para o Campeonato da Europa
em Futebol, se ouve em Portugal por todo o lado que os estádios não estão
preparados, ou que não são seguros, ou que os aeroportos não estão adequados ou
que vai haver problemas com hooliganismo ou com terrorismo. Disparate! Ou pior,
uma vergonha, por quem perpetua este tipo de lixo que se chame notícias por aí.
Para começar, os estádios estão tão prontos que já se joga futebol neles.
Segundo, as normas de segurança têm de obedecer a rigorosíssimas normas de
controlo estipuladas pela inflexível UEFA. Terceiro, os aeroportos têm dos
sistemas mais avançadas de controlo de tráfego aéreo, total e completamente
integrados nos da União Europeia e mais, os adeptos não vão todos chegar no
mesmo dia, nem todos de avião. Quarto, quando os bilhetes foram vendidos na
Internet, foi consultada a base de dados proferida pelas forças policiais dos
países presentes no Euro 2004. Quinto, Portugal é alguma vez um alvo para
ataques terroristas, desde quando? Só se fossem as FP-25 de Abril.

Porém, onde estão as autoridades a explicarem a verdade, a estimular a
população, a instilar o optimismo, não só para o Euro 2004 mas para galvanizar a
economia, a liderar o país? Exactamente onde estiveram, estes ou outros, quando
os interesses dos portugueses estavam a ser vendidos por um preço barato, o que
levou gradualmente à situação actual em que uma família portuguesa gasta
substancialmente mais do seu ordenado em necessidades básicas do que no resto da
Europa. Não se admite que num supermercado espanhol, se encontram exactamente os
mesmos produtos bem mais baratos do que em Portugal, não se admite que no Reino
Unido o cesto básico de alimentos custa bastante menos, quando se ganha cinco,
seis ou sete vezes mais. Há duas semanas, vi três restaurantes no centro de
Londres com a cartaz "Comam o que quiserem por £5.45 - 9 Euros, ou um pouco
menos". Os portugueses gastam uma fatia tão grande do seu ordenado em
mantimentos fundamentais que não há capital disponível para os serviços,
restringindo a economia a um modelo básico e muito primário. Se bem que Portugal
é um país pequeno, também é a Bélgica, a Dinamarca, os Países Baixos, o
Luxemburgo, a Suiça, a Irlanda. Estes países têm um plano de médio e longo prazo
e nestes países ganham os lugares de destaque pessoas competentes e devidamente
qualificadas e formadas. Em Portugal, o plano é ganhar as próximas eleições,
ponto final. O que acontece depois? Há uma onda laranja (PSD - Actual gov) ou
cor-de-rosa (PS - gov anterior) a varrer o país e ocupar todos os quadros altos
e médios, seja em ministérios, em faculdades, em firmas, até em hospitais.

O grande plano é, quanto muito, de quatro anos, o que explica a pequenez de
pensamento e a falta de visão personalizada por uma ministra das finanças que
trata a economia do país como se fosse uma dona de casa maníaca, que, munida com
uma tesoura gigante, tenta transformar um lençol de cama de casal numa bata para
uma boneca diminuta? Corta, corta, corta. O resultado disso tudo é o que se vê:
desempregados à espera de desemprego durante largos meses, não semanas, sem
receberem um tostão do governo que elegeram para os proteger.

Quão conveniente por isso que o país fale de pedófilos e não da economia, do
emprego, da falta de poder de liderança deste "governo" PSD/PP, da ausência duma
cariz democrático, ou social, ou popular, da ausência do contacto ou calor
humano destes, que foram eleitos para proteger seus cidadãos. O que fizeram?
Absolutamente nada. Lamentaram que o país era um caos, e calaram-se. Então, onde
estão as políticas de salvação? Portugal está, e por muito tempo tem sido,
liderado por uma argamassa de cinzentos incompetentes que venderam os interesses
do país irresponsável e negligentemente para fora. Portugal precisa de quem
tenha o brio e a chama suficiente para incendiar a paixão do povo deste país
lindo, desta pérola do Atlântico, de ajudá-lo a ir ao encontro dos seus sonhos,
acreditar em si, redescobrir as suas consideráveis qualidades e colocar Portugal
num lugar de destaque entre a comunidade internacional. O leitor pode apontar
quem tenha feito isso nos últimos anos? O José Barroso está a fazê-lo? Caso
contrário, se não descobrir, e rapidamente, quem for competente para governar
este país, os projectos audazes e brilhantes, que vão de mãos dadas com o
espírito e a alma portuguesa, como por exemplo a EXPO 98 e a EURO 2004, ambos
com uma gestão excelente e uma preparação de que poucos países se poderiam
gabar, perder-se-ão no mar de lamúria de assola Portugal. Francamente, a
paciência dos que tanto lutaram para fazer qualquer coisa deste rectângulo
atlântico, começa a esgotar-se. Já que gostam de dizer que quem não está bem
deve mudar-se, começa a ser uma excelente ideia.

Timothy BANCROFT-HINCHEY
Director e Chefe de Redacção
PRAVDA.Ru Versão portuguesa

Sem comentários: